Como integrar fé e Educação

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Tempos atrás, minha filha de 9 anos chegou em casa com um pedaço de papel onde estavam anotadas as datas das próximas avaliações daquele mês. Ao ler as anotações para mim, ela deu um suspiro e uma leve virada de olho quando mencionou o nome da disciplina que ficou com o último dia de prova: matemática. E, após se recompor do seu suspiro, disse-me: “Não sei se é bom ou ruim matemática ser por último. Se fosse a primeira, seria bom porque acabaria logo, mas sendo a última, é bom porque sobra mais tempo para estudar.”

Eu sei qual é a relação que ela tem com a matemática. É de altos (mais pra “médios”) e baixos. Dependendo do assunto estudado, ela tolera ou odeia. Naquele mês, o assunto era o terror das pequenas mentes em formação que se interessam mais pelas áreas de humanas: divisão.

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Eu já sabia a resposta, mas perguntei só para dar um pontapé no diálogo: “Você não gosta de matemática, filha?” Ao que ela me respondeu: “Ah, mamãe, é muito difícil. E chato!” Prossegui: “Matemática não é chato, filha. É que, às vezes, a maneira como nos apresentam ela é que pode ser. Mas a matemática pode ser algo incrível, pois nos ajuda a compreender as leis da natureza criada por Deus. A matemática estuda a maneira como Deus planejou o funcionamento do universo. Não é incrível?” Sua expressão no rosto mudou na hora, e seus olhinhos brilharam. Que coisa linda é ver como tudo está conectado ao Criador de todas as coisas. Tudo faz sentido e se torna claro.

Acredito – e espero – que você, como cristã, já tenha pensado sobre o tema. Mas a verdade é que começamos a reflexão sobre o assunto normalmente de trás para frente. Na realidade, fé e educação são integradas desde sempre. O que acontece é que, em determinado momento da história, aconteceu uma ruptura, uma separação entre as questões vistas como sagradas de todas as outras vistas como “seculares”. Esse pensamento se perpetuou no decorrer dos anos, a ponto de vivermos de maneira como se houvesse, de fato, essa separação. É o que chamamos de dicotomia. Uma vida fragmentada por termos uma visão fragmentada das Escrituras.

Solano Portela, em seu livro “O que estão ensinando aos nossos filhos” fala sobre isso. Ele diz que a fé reformada não trata simplesmente de realizar uma integração entre o secular e o sagrado, mas apresenta o todo do conhecimento e das atividades humanas, tendo Deus como fonte de todo o verdadeiro conhecimento e sabedoria. Então, para compreendermos a relação entre fé e educação, para as enxergarmos como áreas unificadas, como de fato são, precisamos dar alguns passos para trás e começar do início (eu sei, pode parecer redundante, mas a verdade é que temos uma mania engraçada de começar no meio mesmo).

Entendendo o conceito

Como ponto de partida desta reflexão, é importante definirmos os conceitos que usaremos aqui. Muitas vezes, a mesma palavra pode ter diferentes significados. Quando falamos sobre “fé e educação” podemos dizer que estamos nos referindo à “educação cristã”. Porém, pode haver uma confusão de termos, o que faz com que seja necessária uma definição. Aqui, usarei a explicação que Portela[1] menciona em seu livro citado acima. Dentro dessa área que estamos conversando, existem, pelo menos, três termos diferentes: (1) educação secular (ou escolar), (2) educação religiosa e (3) educação cristã. Vamos definir cada um deles:

  1. Educação secular – É o sistema de educação desenvolvido com a ausência de Deus e de sua interação com a criação como premissa. Nele, a interação com o conhecimento é dissociada de Deus – que, ironicamente, é a fonte de todo conhecimento. Falta o transcendente e não há relação entre o Criador e a sua criação;
  2. Educação religiosa – Muitas vezes o termo “educação cristã” é usado para fazer referência ao que, na verdade, é a educação religiosa, que, por sua vez, é a instrução específica sobre a religião cristã em si. É o campo de atuação dentro da esfera da igreja, como escola dominical, aulas sobre as doutrinas da Bíblia, sobre o plano de salvação, entre outras questões dentro desse âmbito;
  3. Educação cristã ou educação escolar cristã – É o termo usado para a compreensão da integralidade que existe entre fé e educação. É a designação da instrução, em todas as áreas do conhecimento, que é ministrada debaixo do reconhecimento do Deus Criador e daquilo que é revelado em sua Palavra. A educação (escolar) cristã tem como objetivo proporcionar à pessoa que está sendo educada não apenas a obtenção de conhecimentos variados, mas a concepção de uma visão integrada da vida, relacionada com o Criador e Seus propósitos. A Educação Cristã parte da premissa que todo conhecimento verdadeiro que deve ser estudado vem de Deus, pois Ele é o Criador de todas as coisas.

A ruptura

Como vimos acima, de modo geral, a educação acontece quando há uma interação com o conhecimento. Se Deus é a fonte de todo o conhecimento verdadeiro, se Ele é o Criador de todas as coisas, então, consequentemente, Ele é a base da educação.

Hoje, porém, lutamos para buscar maneiras de entender como educação e fé se integram. Isso acontece porque, em dado momento da história da humanidade, essa obviedade ficou obscura. O pecado trouxe essa separação. Antes da Queda, havia somente uma maneira de enxergar e compreender a vida: através da luz de Deus. Um dos efeitos da Queda foi trazer trevas para aquilo que era claro como o sol. A partir de então, muitas maneiras diferentes de enxergar o mundo foram sendo desenvolvidas. Maneiras que enxergam o mundo e as áreas da vida à parte de Deus, excluindo o Criador da sua própria criação. É daí que vem essa separação entre coisas que são, por sua vez e em sua essência, integradas.

Por este motivo, só é possível fazer essa integração novamente por meio de uma cosmovisão bíblica. Ou seja, buscando entender o que é educação sob a perspectiva de Deus.

Algumas confusões

Com muita frequência, quando iniciamos a reflexão sobre fé e educação, acabamos confundindo um pouco as coisas. Enxergamos-na como uma grande pizza. A pizza toda é a educação em si, e cada fatia, uma disciplina. Entre as fatias “ciências naturais”, “matemática” e “português”, por exemplo, encontra-se também a fatia da disciplina que irá estudar a Bíblia, como se esse assunto devesse ser “agregado” ao todo. Todavia, a simples inserção da Bíblia como uma matéria a mais não representa a educação cristã, pois ela não é algo à parte para ser acrescentado, mas, sim, a base. Na educação cristã, a Bíblia é como se fosse a massa de toda a pizza, e cada disciplina é desenvolvida em cima dela, com base nela. Entende a diferença?

Douglas Wilson, em seu livro “Educação clássica e educação domiciliar”, diz: “A educação cristã não é a educação secular e humanista com o acréscimo de oração e estudos da Bíblia. Antes, toma-se a Escritura como única regra de fé e prática. A Bíblia deve estar no centro de nosso pensamento. Ela não é central como um vaso de flores pode se encontrar no centro de uma mesa – como algo apenas decorativo. Antes, central como um eixo é central. Tudo no processo educacional deve girar ao redor da Palavra revelada de Deus. A Bíblia, e só ela, ocupa essa posição.”

Em concordância, Portela também diz que a educação cristã é aquela que não apenas insere a Bíblia em seus estudos, mas reestuda todas as disciplinas partindo da premissa que o conhecimento de todas provém de Deus. Ela é holística e, ao mesmo tempo, interdisciplinar e transversal, elucidando a complexidade do universo à luz de Deus.

O exemplo que eu dei no início deste texto, na conversa com minha filha sobre o estudo da matemática, pode ser aplicado a qualquer disciplina, partindo da compreensão de que todo conhecimento tem Deus como fonte primária. Não devemos “apenas” ensinar a Bíblia, mas ensinar nossas crianças a pensarem biblicamente qualquer área do conhecimento.

Educação cristã para quem não tem acesso a uma escola cristã. Como?

Podemos pensar que a reflexão deste assunto à luz da Bíblia é apenas para profissionais da área de educação – professores, educadores e pedagogos, diretores e coordenadores de escolas cristãs –, para que, dentro do seu âmbito profissional, possam desempenhar uma prática redentiva da educação.

Pode ser, contudo, que você que está lendo este texto neste momento não atue na área da educação, mas tenha filhos ou planeje tê-los. Pode ser também que seu filho não tenha acesso a uma escola cristã, seja por questões financeiras ou geográficas. Como, então, será possível oferecer-lhe uma educação cristã? Será que aqueles que não são contemplados com o acesso a uma educação escolar cristã de qualidade estão fadados a serem vítimas do ensino enviesado e arraigado em filosofias humanistas e anticristãs?

Bem, a minha resposta é: não. Há uma maneira de redimir a educação do seu filho, mesmo que ele não esteja sendo educado por educadores cristãos e não faça uso de materiais com cosmovisão bíblica, e a maneira de fazer isso é trazendo a luz do Senhor às áreas de conhecimento. A solução para esse dilema está na compreensão de quem são os responsáveis primários pela educação dos filhos, inclusive, da educação escolar: os pais.

O que precisa haver é uma quebra de paradigma da nossa cultura de terceirização. Há o costume disseminado em nossa sociedade de que a escola é a total responsável pela educação escolar de nossas crianças, o que acarreta uma alienação por parte dos pais em relação aos conteúdos estudados, aos materiais didáticos e à construção do conhecimento que está acontecendo no intelecto dos filhos. No entanto, mesmo que o filho vá à escola, os pais continuam sendo os responsáveis primários. Ou seja, deve não apenas haver participação da parte dos pais no aprendizado escolar da criança como condução.

Você se lembra do exemplo que dei no início deste texto sobre a minha filha e sua relação com a matemática? Eu conduzi a visão dela a respeito dessa disciplina debaixo da perspectiva de Deus. É isso que devemos fazer. Devemos estudar a respeito, transformar nossa visão sobre educação e sobre as disciplinas e orientar nossos filhos, reconduzindo o entendimento deles, para que a visão de Deus prevaleça. Dá trabalho? Dá! Mas esse é o nosso trabalho, e o Senhor deixa isso muito claro em Deuteronômio 6. Enquanto vivemos nossa vida, devemos ensinar a Verdade do Senhor aos nossos filhos, até mesmo ensinando-os a enxergarem todas as áreas do conhecimento – história, português, matemática, geografia, ciências etc. – sob a perspectiva de Deus, partindo da premissa de que não há melhor maneira de compreender a criação do que debaixo da luz do Criador.

Por Thainá Pereira

Referências:

PORTELA, Solano. O que estão ensinando aos nossos filhos. São José dos Campos: Editora Fiel, 2018.

WILSON, Douglas. Educação clássica e educação domiciliar. Brasília: Monergismo, 2017.

PEARCY, Nancy. Verdade absoluta. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.


[1] PORTELA, Francisco Solano. O que estão ensinando aos nossos filhos?: Uma avaliação crítica da pedagogia contemporânea apresentando a resposta da educação cristã. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012.

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